sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A banca pobre e mal-agradecida - por HELENA GARRIDO

Subscrevo totalmente este artigo da Helena Garrido no Jornal de Negócios
 
 
 
O mundo também mudou para a banca em Portugal. Pode ainda não ter mudado na Europa, mas a falta de dinheiro ou a presença de uma nova atitude do Governo ditaram, finalmente, novos tempos para o sector financeiro. Esperemos que os políticos europeus sigam o mesmo caminho.
Em Portugal, Pedro Passos Coelho e o seu ministro das Finanças, Vítor Gaspar, passaram, num ápice, de ultraliberais ortodoxos para perigosos comunistas da era do Período de Revolução em Curso (PREC) dos idos de 1975. É esta a imagem que os banqueiros passaram para Bruxelas na carta que enviaram ao comissário europeu, o finlandês Olli Rehn. Por aqui, um país em que o Estado não tem dinheiro e o Governo quer nacionalizar a banca, também ela em dificuldades, como é visível na travagem que fez na concessão de crédito e nos juros que anda a oferecer para captar depósitos.

A banca não quer o Estado como accionista. Óptimo. Tem dinheiro? Pois que os seus accionistas capitalizem os bancos de acordo com as regras que os próprios mercados estão a exigir. Não tem dinheiro? Pois tem de se sujeitar às regras de quem o tem e que, em nome dos contribuintes, o vai emprestar. Nenhum sector, sem ser a banca, tem em Portugal o privilégio de dispor de 12 mil milhões de euros para garantir a sua solidez e liquidez. Quantas empresas economicamente viáveis não precisam neste momento de meia dúzia de milhares para garantir que não são varridas para a falência pela falta de crédito?

E não, isto não é demagogia nem populismo. A banca tem de se habituar a ser tratada como todos os outros sectores, sem mais nem menos poderes. Se quer ser tratada de forma diferente, teremos de repensar todo o regime em que temos vivido. Com certeza que ninguém quer retirar as consequências para o regime capitalista de empresas que não têm sobre si a ameaça de falência. Todos sabemos que é a ameaça de ir à falência que impede o talho, a peixaria, a mercearia, uma qualquer empresa, de correr riscos excessivos.

Percebemos hoje melhor ainda do que no passado por que é que nunca se fez nada em Portugal para impedir o "boom" de crédito, a manutenção da iliteracia financeira ou o financiamento de compra de acções. Em Espanha, por exemplo, o banco central conseguiu consagrar em 2000 as provisões anticíclicas. Em Portugal falou-se disso mas nada se fez. Porquê? Porque os bancos não quiseram.

Durante demasiado tempo, o poder foi cúmplice do sector financeiro - aqui, como no resto da Europa - e esteve totalmente capturado por ele. Esteve ou está? A resolução efectiva da crise financeira em que mergulhou o mundo ocidental depende, de forma determinante, da capacidade que os Estados tiverem de recuperar o poder sobre o sistema financeiro. Se não o fizerem, outra crise chegará.

Os banqueiros portugueses sabem bem que o Estado, e especialmente este Governo, quer tudo menos nacionalizar os bancos. Ironia das ironias, esta acusação cair sobre Pedro Passos Coelho, que até já defendeu a privatização da CGD.

Acusar o Governo de intenções que são absurdas apenas nos faz suspeitar de que a banca portuguesa estava muito mal-habituada, que viveu num regime de "quero, posso e mando". Hoje é diferente. Não há dinheiro. E quem é pobre não pode ser mal-agradecido.

helenagarrido@negocios.pt

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